Bem me cuidei eu, Maria Garcia,
em outro dia, quando vos fodi,
que me nom partiss’en de vós assi
como me parti já, mão vazia,
vel por serviço muito que vos fiz,
que me nom destes, como x’homem diz,
sequer um soldo que ceass’um dia.
Mais desta seerei eu escarmentado:
de nunca foder já outra tal molher
se m’ant’algo na mão nom poser,
ca nom hei porque foda endoado;
e vós, se assi queredes foder,
sabedes como: ide-o fazer
com quem teverdes vistid’e calçado.
Ca me nom vistides nem me calçades,
nem ar sej’eu eno vosso casal;
nem havedes sobre mim poder tal
por que vos foda, se me nom pagades
ante mui bem; e mais vos en direi:
nulho medo, grado a Deus e a el-rei,
nom hei de força que me vós façades.
E, mia dona, quem pregunta nom erra
e vós, por Deus, mandade preguntar
polos naturaes deste lugar
se foderam nunca, em paz nem em guerra,
ergo se foi por alg’ou por amor.
Id’adubar vossa prol, ai senhor,
ca vedes: grad’a Deus, rei há na terra.
Autoría del Comentario: equipo de Cantigas medievais galego-portuguesas:
Mais uma cantiga nos antípodas do amor cortês: agora é Cotom quem se sente no direito de ser pago pelos serviços prestados a esta Maria Garcia, jurando que fazer serviços de graça, nunca mais. A cantiga tem dois pormenores curiosos: o primeiro é, no final da terceira estrofe, a afirmação de que não tem medo da “força” que ela lhe faça, ou seja, de ser violado; o segundo, na última estrofe, a afirmação de que as pessoas só praticam o ato sexual por dois motivos, dinheiro ou amor – maneira subtil de enquadrar realisticamente as relações entre ambos.